
Eu nunca vou esquecer o dia em que vi meu avô cantar depois de anos de silêncio. O Alzheimer já tinha levado boa parte de suas lembranças, e ele passava longos períodos olhando para o nada, sem reconhecer as pessoas ao seu redor. Mas, naquele dia, quando coloquei uma das músicas favoritas da juventude dele, algo mágico aconteceu. Seus olhos brilharam, ele começou a balançar a cabeça no ritmo e, de repente, sua voz saiu, ainda trêmula, mas cheia de emoção.
Essa experiência me fez perceber o quanto a música pode ser transformadora para quem vive com Alzheimer. E não foi só com meu avô que isso aconteceu. Ao longo dos anos, vi outros idosos despertarem, sorrirem e se reconectarem com o mundo ao seu redor através da música. Neste artigo, quero compartilhar um pouco dessas experiências e mostrar como a música pode ser uma poderosa aliada no cuidado com pacientes que enfrentam essa doença.
O Poder da Música no Cérebro
Se tem algo que aprendi acompanhando meu avô e seus amigos no asilo, é que a música ativa partes do cérebro que, muitas vezes, o Alzheimer parece não conseguir apagar. Mesmo quando ele já não lembrava do meu nome, bastava tocar um samba dos anos 50 para ele começar a cantarolar.
A ciência explica isso. Diferente da fala, que depende de áreas específicas do cérebro, a música é processada por diversas regiões ao mesmo tempo, especialmente aquelas ligadas à emoção e memória. É por isso que, mesmo em estágios avançados da doença, pacientes ainda podem reconhecer melodias e até reviver momentos marcantes de suas vidas.
Vi isso acontecer com um senhor chamado Seu Orlando, que costumava tocar violão quando jovem. Quando colocamos uma música que ele adorava, seus dedos começaram a se mexer involuntariamente, como se ele estivesse dedilhando as cordas invisíveis do instrumento. Ele não tocava há anos, mas naquele instante, parecia que a música trouxe de volta algo que o Alzheimer tentava apagar.
Benefícios Terapêuticos da Música no Alzheimer
Estímulo à Memória e Reconexão com o Passado
Lembro do dia em que minha avó, emocionada, me contou que meu avô, mesmo sem lembrar de quase nada, ainda sabia a letra da música que eles dançaram no casamento. Isso me mostrou que a música não só resgata memórias, mas também reforça a identidade e a história de quem vive com Alzheimer.
Melhoria do Humor e Redução da Ansiedade
Nos dias difíceis, quando meu avô estava agitado ou nervoso, percebi que colocar uma música tranquila fazia com que ele relaxasse. Não era algo imediato, mas aos poucos, sua expressão ficava mais leve, e ele até tentava acompanhar a melodia com a cabeça. Música, para ele, era um refúgio em meio ao caos da doença.
Promoção da Comunicação e Interação Social
Vi pacientes que quase não falavam há meses soltarem algumas palavras ao cantar. Um deles, o Seu Miguel, cantava trechos inteiros de músicas sertanejas e, entre uma estrofe e outra, aproveitava para puxar conversa. Era como se a música fosse uma ponte para trazê-lo de volta para nós, nem que fosse por alguns minutos.
Estímulo Cognitivo e Motor
Nos encontros que fazíamos no asilo, colocávamos músicas animadas e incentivávamos os idosos a bater palmas no ritmo. Muitos, que tinham dificuldade para se movimentar, pareciam ganhar energia. Meu avô, que passava boa parte do tempo sentado, sempre arriscava alguns passos de dança quando ouvia um bolero.
Como Aplicar a Música no Cuidado Diário de Pacientes com Alzheimer
Se você tem um familiar ou conhece alguém que convive com Alzheimer, aqui estão algumas dicas que aprendi ao longo do tempo:
Escolha músicas que tenham significado para a pessoa: Pergunte quais eram as músicas favoritas dela na juventude ou observe quais melodias fazem seus olhos brilharem.
Crie playlists personalizadas: Eu fiz uma para o meu avô com sambas antigos e boleros, e isso fez toda a diferença.
Use a música para criar rotinas: Colocar a mesma música no café da manhã ou antes de dormir pode ajudar a criar uma sensação de estabilidade e conforto.
Incentive a participação ativa: Cantar junto, bater palmas ou até segurar um instrumento simples pode estimular ainda mais a interação.
Estudos de Caso e Depoimentos
Além das minhas experiências, muitas pesquisas já comprovaram os benefícios da música para quem tem Alzheimer. O documentário Alive Inside mostra como pacientes que pareciam completamente desconectados voltaram a reagir ao ouvir músicas significativas para eles.
Mas o que mais me emociona são os relatos de pessoas comuns, como a Dona Lúcia, que me contou que, quando coloca uma música de forró, seu marido — que já não lembra de quase nada — sorri e começa a bater o pé no ritmo da música. Para ela, esses pequenos momentos são ouro.
Considerações Finais
Se tem algo que aprendi com meu avô, é que a música tem o poder de trazer de volta pedaços de quem somos, mesmo quando a memória falha.
A música foi uma das últimas pontes que tivemos antes de ele partir. Até seus últimos dias, ele não lembrava meu nome, mas ainda reagia quando ouvia nossas músicas favoritas.
Se você tem um familiar ou conhece alguém que luta contra o Alzheimer, experimente usar a música no dia a dia. Talvez você se surpreenda ao ver um brilho no olhar, um sorriso inesperado ou até um canto tímido surgindo de um silêncio que parecia eterno.
Porque, no fim das contas, a música é mais do que som. Ela é lembrança, emoção e, acima de tudo, vida.