
Eu nunca vou esquecer do dia em que percebi que meu avô estava diferente. Sempre fomos muito próximos, e ele tinha uma memória afiada, lembrava de detalhes de histórias antigas como se tivessem acontecido ontem. Mas, aos poucos, fui notando pequenas coisas: ele esquecia onde tinha colocado os óculos, se confundia com datas e, um dia, perguntou meu nome com um olhar de dúvida que partiu meu coração. Foi quando nossa família recebeu o diagnóstico: Alzheimer.
Ver a memória dele se esvaindo foi devastador. No início, tentei me apegar à ideia de que era só um esquecimento passageiro, mas logo entendi que era uma batalha que exigiria paciência e amor. E foi então que descobri algo incrível: a música poderia nos ajudar a manter viva uma parte da sua história.
Meu avô sempre foi apaixonado por música. Ele cantava enquanto fazia café, assobiava no quintal e tinha um radinho de pilha que o acompanhava em todos os cantos da casa. Então, pensei: e se a música pudesse ser um elo com suas memórias?
Comecei a tocar algumas canções antigas para ele. No início, ele parecia apenas ouvir, mas algo aconteceu quando coloquei uma música que ele sempre cantava para mim quando eu era criança. Seus olhos brilharam. Ele sorriu. E, para minha surpresa, começou a cantarolar junto. Foi um momento mágico, como se a música tivesse destrancado uma porta em sua mente.
A partir desse dia, a música se tornou parte da nossa rotina. Eu fiz uma playlist com suas canções favoritas e comecei a tocar sempre que estávamos juntos. Algumas vezes, ele apenas fechava os olhos e balbuciava a melodia. Outras, sua voz saía firme, como se, por alguns minutos, a doença não existisse. Era um pequeno milagre todas as vezes.
A neurociência explica que a música ativa várias partes do cérebro ao mesmo tempo, incluindo aquelas ligadas à memória e às emoções. E isso faz sentido. Mesmo quando ele não reconhecia um rosto ou esquecia o nome de alguém, a melodia de uma canção antiga ainda estava lá, intacta.
Percebi que a música também o ajudava a lidar com a ansiedade. Nos dias em que ele ficava mais agitado, eu colocava uma música calma e ele se acalmava. Quando percebia que ele estava desmotivado, optava por algo mais animado, e, incrivelmente, ele se tornava mais ativo, chegava a bater palmas e mexer os pés no ritmo.
Com o tempo, minha família também passou a usar a música como uma forma de interagir com ele. Criamos momentos específicos para ouvir música juntos, relembrando histórias e fortalecendo os laços afetivos. Muitas vezes, víamos um brilho nos olhos dele quando ouvia uma música especial. Era um brilho que nos fazia lembrar que, apesar das limitações impostas pela doença, ele ainda estava ali.
Passei a pesquisar mais sobre a relação entre Alzheimer e música e descobri que existem diversos estudos científicos que comprovam seu impacto positivo. Pesquisadores identificaram que ouvir músicas familiares ativa áreas do cérebro associadas à memória autobiográfica e ao prazer, promovendo momentos de clareza mental e bem-estar. Algumas instituições ao redor do mundo já incorporaram a musicoterapia como parte dos cuidados para pacientes com demência.
Hoje, a música é nossa maior aliada. Para quem tem um familiar com Alzheimer, minha dica é simples: descubra quais canções fizeram parte da história dele. Monte uma playlist, toque músicas que tragam lembranças boas, cante junto, segure as mãos, deixe a música fazer a mágica dela. A doença pode apagar algumas memórias, mas jamais conseguiremos apagar o amor que a música ajuda a expressar.
Se você tem um ente querido passando por essa jornada, experimente introduzir a música no dia a dia. Cada pequena interação musical pode ser um portal para as lembranças e um momento de felicidade genuína. E, acima de tudo, lembre-se de que o carinho e a paciência fazem toda a diferença. A música pode não curar o Alzheimer, mas pode transformar a vida de quem convive com ele, proporcionando conforto, alegria e conexão.
Essa experiência me mostrou que, mesmo quando as palavras desaparecem, as emoções permanecem. E, enquanto a música tocar, meu avô continuará presente em cada nota e melodia.