
A música sempre teve um lugar especial na minha vida, mas foi com meu avô que aprendi a ver o verdadeiro poder que ela tem de nos transportar no tempo. Ele costumava dizer que cada canção guarda um pedaço da nossa história, e eu só fui entender isso de verdade quando comecei a compartilhar momentos musicais com ele.
Sempre que colocávamos algumas músicas regionais antiga para tocar, ele fechava os olhos, sorria e começava a contar histórias de sua juventude. Era como se cada nota fosse um gatilho para lembranças que pareciam adormecidas. Algumas canções traziam risadas, outras um brilho nostálgico nos olhos, mas todas tinham o poder de reconectá-lo com suas origens.
Quero compartilhar cinco músicas que sempre fizeram parte das nossas sessões musicais e que ajudavam meu avô a reviver momentos inesquecíveis. São canções que representam diferentes regiões do Brasil e que carregam histórias que, de alguma forma, também se tornaram um pouco minhas.
Asa Branca – Luiz Gonzaga (Nordeste)
Meu avô sempre foi um nordestino de coração, mesmo depois de tantos anos vivendo longe de sua terra natal. Quando tocava “Asa Branca”, era como se ele voltasse para o sertão da sua infância. Ele me contava sobre os tempos difíceis de seca, sobre as festas de São João e sobre as saudades que sentia da família que deixou para trás.
Eu lembro dele cantarolando os versos “Inté mesmo a Asa Branca bateu asas do sertão” com a voz embargada, segurando minha mão. Ele dizia que essa música não era apenas uma canção, mas um retrato da vida de muitos nordestinos que precisaram partir. E mesmo longe, a música sempre o trazia de volta para casa.
Cuitelinho – Pena Branca & Xavantinho (Centro-Oeste/Sudeste)
Essa era uma das favoritas do meu avô quando queria relaxar. “Cuitelinho” tem um ritmo suave e uma letra cheia de saudade. Ele me dizia que essa música lembrava as tardes na roça, quando se sentava debaixo de uma árvore para ouvir os passarinhos e conversar com os amigos depois de um dia de trabalho.
Ele explicava que “cuitelinho” é um nome popular para o beija-flor, e que a música falava sobre despedida e amor. Sempre que ele fechava os olhos para ouvir, eu sabia que estava voltando no tempo, para uma época mais simples, quando a vida girava em torno do campo e da família.
Mercedita – Grupo Pantanal (Sul)
Meu avô não era gaúcho, mas “Mercedita” sempre fez parte da trilha sonora dele. Ele me contava que, quando jovem, ia a bailes onde essa música tocava, e que não tinha como ouvir sem querer sair dançando. Um dia, resolvemos dançar juntos na sala, e ele ria dizendo que eu tinha muito a aprender sobre o verdadeiro ritmo sulista.
Essa canção é cheia de emoção, fala de um amor do passado, e eu sempre vi no rosto dele um misto de alegria e nostalgia ao ouvir. Era a prova de que a música tem o poder de nos levar de volta para momentos que gostaríamos de reviver.
Trem das Onze – Demônios da Garoa (Sudeste)
Meu avô adorava contar histórias sobre São Paulo, e “Trem das Onze” era sempre a trilha sonora dessas conversas. Ele dizia que essa música captava perfeitamente o espírito da cidade: o corre-corre, o amor pela boemia e a simplicidade da vida de quem pegava trem todo dia.
Ele ria quando lembrava de como, antigamente, perder o último trem significava passar a noite na estação ou ter que dormir na casa de um amigo. Sempre que “Trem das Onze” tocava, ele batucava na mesa e cantava com entusiasmo, como se estivesse de volta aos seus tempos de juventude.
Carinhoso – Pixinguinha (Nacional)
Se eu tivesse que escolher uma única música para representar meu avô, seria “Carinhoso”. Ele dizia que essa era a música dos momentos especiais: casamentos, aniversários e até serenatas. Quando tocava, ele sempre olhava para a minha avó com um sorriso cheio de amor e saudade.
Eu lembro dele me ensinando a dançar ao som dessa melodia, segurando minhas mãos e dizendo: “Isso aqui é música de verdade, meu neto”. Até hoje, sempre que ouço “Carinhoso”, sinto que ele ainda está comigo, através das notas dessa canção inesquecível.
A Magia da Música e as Memórias que Ela Guarda
Com o tempo, fui percebendo que essas canções não eram apenas músicas para o meu avô, eram portais para as lembranças mais preciosas da vida dele. E, sem que eu percebesse, elas também passaram a fazer parte da minha história.
A música tem esse poder incrível de unir gerações, de criar laços e de manter vivas as nossas raízes. Hoje, eu faço questão de colocar essas músicas para tocar e relembrar os momentos que passei ao lado dele. E, se você tem alguém especial na sua vida, faça o mesmo. Crie playlists, resgate histórias e compartilhe músicas que fazem o coração bater mais forte. Afinal, a música é um presente que nos permite viajar no tempo e sentir, por alguns instantes, que aqueles que amamos ainda estão ao nosso lado.
Que essas canções continuem a embalar histórias, conectar memórias e manter vivo o amor pela nossa cultura. 🎶❤️